Giovanni Gentile
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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A filosofia do fascismo - Giovanni Gentile (parte 1)


1. Como todo o movimento espiritual de amplitude, o Fascismo tem uma filosofia própria. Todavia, quem procurar um volume onde esta possa estar exposta no todo ou em parte, não o encontrará, e quem a expuser em proposições ocasionais e separadas extraídas dos vários e diversos escritos do Chefe e dos seus seguidores autorizados que pareçam susceptíveis de ordenação sistemática, corre o risco de erguer uma filosofia à sua imagem e semelhança, mas sem verdade e sem vida.
A filosofia de Mussolini não está tanto no que ele disse, mas no que fez (sabe-se que as ideias de um homem se patenteiam, mais do que nas palavras, nas acções). Acima de tudo, há que considerar que as acções e palavras têm um significado enquanto expressões de um espírito que é aquilo que é porque possui um carácter, uma nota fundamental, um princípio, em suma; é deste que importa partir para entender acções e palavras singulares, a razão de ser de cada uma delas, sentir onde está a tónica quando o homem fala e a sua finalidade quando age.
Mussolini é um génio político. Toda a sua filosofia reside, pois, na doutrina política (pensamento e acção); contudo, não há ideia que não expresse ali a vida do espírito e não possua a energia lógica de uma concepção do mundo e do homem no mundo, concepção que in nuce é filosofia própria e autêntica. Daí, a sua originalidade e força, a sua potência histórica. Assim, quem quiser apreender a filosofia do Fascismo, ou seja, a sua orientação geral e o seu modo de entender a vida, em suma, quem queira compreender a essência da fé fascista, deve olhar para o conceito fascista do Estado

2. Primeiro, o Estado fascista nasceu da crítica sindicalista soreliana ao parlamento e à democracia socialista; em segundo lugar, da experiência de dissolução a que chegaram a autoridade e a unidade do Estado com as lutas irredutíveis das forças parlamentares e dos partidos seus protagonistas; em terceiro lugar, da experiência da guerra.
A crítica que o novo sindicalismo ia desenvolvendo - fruto da mordaz desvalorização que o marxismo fez de todas as artificiosas estruturas políticas não geradas pela profunda realidade económica ou que não aderiam às estruturas básicas da organização produtiva e aos interesses efectivos dos grupos sociais - esvaziou o Estado parlamentar do seu conteúdo. De facto, demonstrou o afastamento ou, melhor, o contraste insolúvel entre nação e Estado, entre os cidadãos, em que, historicamente e sob todos os pontos de vista, se concretizam a vida do Estado e os poderes que em regime parlamentar se presume que unem e unificam esses cidadãos numa consciência única e numa vontade política ou universal. Crítica conhecida, que atinge principalmente o conceito de representação, pondo-lhe a nu o carácter convencional e ilusório.
Essa crítica era como que ilustrada e comprovada pela experiência quotidiana do descrédito cada vez maior em que caíam as instituições parlamentares, agora já despojadas do prestígio sem o qual não é possível exercer uma acção eficaz sobre o povo; do embaraço cada vez maior em que o jogo dos partidos no parlamento punha o governo onde se concentra, e, portanto, onde actua e se explana a autoridade do Estado; a fraqueza progressiva que cada dia atingia mais e mais governo e parlamento, chegando a uma forma que se assemelhava já à paralisia. Daí, a crescente insolência das forças desagregadoras rebeldes contra o poder do Estado, desprezando, ou, pelo menos, sendo indiferentes às suas leis, alheias aos interesses gerais e dirigidas, mais que pela acção do poder soberano, pela consciência e vantagens das categorias particulares (trabalhadores, empregados, mestres, professores, etc.), organizadas em ligas de resistência contra o Estado e situadas em posição de desconfiança e suspeita contra este, de que todos os interesses legítimos deviam obter garantia e tutela. Exaltado e cultivado com ardor, esse espírito de organização trouxe, não um conteúdo mais sólido ao Estado, mas a oposição de uma massa compacta de interesses. A esta eloquente e sugestiva experiência de 1915 juntou-se outra mais significativa e evidente: a guerra.
Precedida na Itália de um período de discórdias ferozes, a opinião pública reflectia a alma nacional dilacerada por concepções opostas da vida, da história e do futuro da nação, alma que, submetida à prova, mostrava não estar educada politicamente na consciência segura dos destinos da nação, que projectam e formam como ideal e lei a sua própria personalidade. Guerra precedida, pois, de turvos debates e contrastes entre intervencionistas e neutralistas, declarada contra a vontade efectiva da Câmara, ainda que esta dissimulasse manhosamente a sua oposição sob a forte pressão da corrente intervencionista dominante no país.
Falência clamorosa da mentira convencional da representação da vontade popular e condenação dessa Câmara a uma vida pouco gloriosa (que devia protelar-se por toda a guerra) na situação falsa a que a história e a sua vontade a tinham amarrado.
A Câmara estava afastada da nação num momento em que esta se reencontrava a si mesma com uma só consciência, uma só vontade e um só ânimo, pronta a enfrentar uma grande prova, um daqueles esforços heróicos em que os indivíduos sentem o Estado como a sua essência mais profunda, como um ideal pelo qual importa viver e importa, também, morrer, ideal que é medida de todos os bens da vida e afastado do qual o homem pode sentir prazer, mas perde a consciência do próprio valor e do próprio ser, do ser que fala uma língua e tem recordações sagradas em comum com os outros e, ao mesmo tempo, esperanças que representam para ele a razão de viver: um sol que brilha alto no céu, que o aquece e conserva em conjunto com os que nasceram na mesma parte do mundo e que com ele se associam e vinculam a uma história. Há séculos que a Itália não se sentia tão Itália: a partir do seu Risorgimento, nos onze lustros da sua nova vida, nunca como então fora sacudida por um tal frémito de substancial unidade de espírito, daquela unidade que faz de uma nação um Estado consciente do tronco único onde vai beber toda a sua linfa vital.
Com a guerra, ressurgia nos ânimos o Estado, a pátria veneranda, não a palavra retórica ou abstracta, mas a lei e a vida da alma; e o parlamento dos representantes do povo italiano era superado, posto de parte, morto ou moribundo. A guerra foi totalmente obra da Itália jovem que não se deixava prender às ideologias libertárias, que voltava desdenhosamente as costas à Câmara dos advogados e aventureiros das condecoraçõezinhas, aos cultores da alquimia de grupos e grupinhos, aos espertalhões e velhacos das combinações habilidosas dos buracos formidáveis e de minas subterrâneas aos gabinetes. Guerra da Itália jovem, que nos primeiros anos do século começava a aprender algumas verdades importantes: que a vida não é esse miserável jogo de habilidade, de esperteza e de cálculo a que os homens políticos do liberalismo radical e socialistóide a tinham reduzido; é coisa séria, semelhante a uma religião, como Mazzini, o maior profeta do Risorgimento, pregava aos seus partidários: vida que não nos pertence como um direito a exercer e a gozar, mas que é dever a cumprir, missão a realizar e, sendo missão, a realizar mesmo através do sacrifício pessoal, posto que o indivíduo, separado da solidariedade espiritual, da nação e da humanidade, não tem valor em si visto ser apenas, como diria um filósofo, aquilo que actua através da universalidade do espírito.
A guerra sentida e vivida pelos jovens, a guerra que, como escola e formação do espírito, seria vitoriosa mesmo se tivesse sido perdida e que por ser vitoriosa se tornou ainda mais edificante, foi para os italianos a revelação da nova Itália e do Estado em que tomou corpo e em que existe.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Evola e Gentile (parte 3 de 3)

GIOVANNI GENTILE


Pensador, filósofo, historiador da Filosofia, pedagogo e doutrinador do Estado Ético e da Nação Orgânica, notável vulto do pensamento idealista e principal renovador da Cultura Italiana nos primeiros decênios do século XX, Giovanni Gentile é, sem dúvida alguma, um dos mais profundos, fecundos, sólidos, vigorosos e coerentes Homens de Pensamento e de Ação já nascidos na Itália, na Europa e no Mundo. Último grande filósofo do Risorgimento naquilo que este movimento teve de nobre e de autêntico, foi ele um lídimo representante, nos campos da Cultura e da Política, da nova, heróica e gloriosa Itália de Vittorio Veneto, que tinha plena consciência de que esta Nova Itália somente seria grande caso nela se instaurasse uma Nova Ordem de Disciplina, Autoridade, Hierarquia, Fé e Colaboração Social. E, tendo plena consciência, ademais, de que apenas o Fascismo, continuando as tradições da Eterna Roma da Águia e do Litório, bem como aquelas do Risorgimento, seria capaz de instaurar tal ordem, Gentile aderiu ao Movimento do Fascio, logo se tornando o filósofo do Fascismo.
   Como reconhece Michele Federico Sciacca, “grego da Sicília, cristão em Antonio Rosmini, pensador e filósofo”[1], Giovanni Gentile é “o maior filósofo italiano do nosso século [século XX], o pensador em redor do qual, desde os primeiros anos do século XX até 1930 mais ou menos, gravitou quase toda a filosofia italiana”[2]. Como frisa o pensador espiritualista cristão (católico) siciliano, o pensamento gentiliano, “fundamentalmente otimista, expressão de uma robusta têmpera metafísica e empenhado em defender a essencial racionalidade de filosofar, não concede quase nada à crise profunda do mundo contemporâneo e tem a mais firme confiança nos poderes do homem e no progresso humano”. É Gentile, quiçá, ainda nas palavras do autor de Filosofia e Metafísica (Filosofia e Metafisica), “o último significativo pensador do século XIX historicista e romântico, no sentido do romantismo ‘apolínio’, confiante e entusiasta”. E é, ademais, um “homem rico de generosa humanidade, mestre eficacíssimo”, que “entendeu o filosofar como processo ético e educativo, a filosofia como vida perene do pensamento”[3].
Renato Cirel Czerna, pensador que representa, na História do pensamento no Brasil, praticamente sozinho, o Idealismo filosófico, e que chegou a ministrar aulas nas universidades de Roma e Nápoles e a colaborar em diversas revistas filosóficas e jusfilosóficas europeias  e que, como recorda Ubiratan de Macedo, teve, certa vez, uma polêmica com Sciacca por conta do Idealismo[4], assim resumiu a importância da filosofia de Gentile, em longo ensaio escrito por ocasião do centenário do nascimento do filósofo (1975) e publicado no ano seguinte na Revista Brasileira de Filosofia:

A filosofia ‘atualista’ de Giovanni Gentile, sem dúvida um dos mais vigorosos, rigorosos e coerentes pensadores italianos e – por que não dizê-lo? – europeus da primeira metade do século XX, tem sido considerada, sobretudo no âmbito da cultura italiana, como a última e mais coerente etapa daquilo que alguns historiadores das ideias denominam o “processo do subjetivismo ocidental”, que se tornou, por sua vez, alvo de “processo ao subjetivismo ocidental[5].

Segundo a concepção attualista é o pensamento que define a realidade. Mas, de acordo com Gentile, o pensamento não é considerado como objeto, isto é, “pensamento pensado”, “ato realizado”, mas sim como “pensamento em ato”. O “pensamento transcendental”, segundo o filósofo, é colhido “na realidade de nosso pensamento, quando o pensamento se considere não como ato realizado, mas sim, por assim dizer, como ato em ato[6].
As origens do Attualismo são assim delineadas por Gentile:

A filosofia atualística historicamente se reconecta à filosofia alemã de Kant a Hegel, diretamente e por meio dos sequazes, expositores e críticos que os pensadores alemães daquele período tiveram na Itália durante o século passado [em especial Bertrando Spaventa]” e se reconecta, ainda, “à filosofia italiana da Renascença (Telesio, Bruno, Campanella), ao grande filósofo napolitano Giambattista Vico e aos renovadores do pensamento especulativo italiano da idade do ‘Risorgimento nacional’: Galluppi, Rosmini, Gioberti[7].

Tradicionalista, Gentile preleciona que a Tradição de um povo é a sua paternidade, de sorte que os povos que rejeitarem a Tradição estarão condenados à bastardia e ao primitivismo de uma existência rudimentar, sem memórias e sem arte[8]. A Tradição, ainda segundo o filósofo, nos faz perceber que “nossa vida não começou no dia de nosso nascimento nem terminará no dia de nossa morte”, de sorte que a Tradição “não é um problema elegante de nossa historiografia, é o dever da nossa vida”[9].
No Brasil, o pensamento gentiliano é, na hora presente, quase totalmente desconhecido, situação que, aliás, esperamos logo reverter, por meio, sobretudo, da criação do Centro de Estudos Italianos Giovanni Gentile, que terá por objetivo não somente a divulgação do sólido e vigoroso pensamento gentiliano, como também daquele de todos os mais significativos pensadores italianos e da Tradição, Cultura, História e Ciência italianas. Dentre os pensadores de nosso País que sofreram influência de Gentile, podemos destacar, além, é claro, do supracitado Czerna, que foi, sem dúvida alguma, o mais influenciado pelo pensador siciliano, Romano Galleffi, filósofo e crítico de arte italiano radicado na Bahia, que fora aluno de Gentile em Roma, e, principalmente na década de 1930, Plínio Salgado e Miguel Reale. Estes últimos, respectivamente, Chefe Nacional e Secretário Nacional de Doutrina da Ação Integralista Brasileira, desenvolveram, porém, uma concepção de Estado Ético bastante distinta daquela de Gentile, posto que compreende o Estado não  como um fim, mas sim como mero instrumento a serviço do Homem, dos Grupos Sociais Naturais, que precederam o Estado, e do Bem Comum, e não entendido como encarnação da Ética, mas tão somente transcendido e inspirado por ela. Do mesmo modo, o Integralismo, ao contrário de Gentile, entende que é a Nação quem cria o Estado e segue a Filosofia Realista de Aristóteles e Santo Tomás de Aquino e a Doutrina do Direito Natural Tradicional, ou Clássico, sustentando que:

O homem, na tríplice esfera de suas legítimas aspirações materiais, intelectuais e morais, tem (...) direitos naturais, que lhe são congênitos, decorrentes, não do Estado, mas de sua própria essência, e que limitam o poder do Estado. Tais direitos, como, por exemplo, os que concernem à vida, à liberdade, à família, ao trabalho, à propriedade dentro dos limites impostos pelo Bem Comum, são condições inerentes à natureza humana, atributos inatos e impostergáveis, que não podem, sem violência, ser negados pela legislação positiva”[10].

Já para Gentile é o Estado quem cria a Nação e é o Estado, ademais, quem “dá ao povo, consciente da própria unidade moral, uma vontade e, portanto, uma existência efetiva”[11]. Para o filósofo, o Estado é, ainda, um ente “espiritual” e ético em si e por si, sendo consciência e vontade em ato, na qual desemboca e atua plenamente a consciência e a vontade do indivíduo na sua essência moral e religiosa”[12]. Ademais, desconhecendo, infelizmente, o Direito Natural Tradicional, racional, concreto e autêntico, assentado na tradição formada pelos filósofos gregos, pelos jurisconsultos romanos e pelos teólogos e canonistas da Cristandade, mas conhecendo bem a sua degenerescência, isto é, o Direito Natural racionalista, abstrato, inautêntico e individualista do Iluminismo, Gentile condenou o Direito Natural, a que viu como essencialmente individualístico[13].
Havendo evocado o nome de Plínio Salgado, julgamos oportuno ressaltar que, em 1930, por ocasião de sua visita a Roma, encontrou-se ele não somente com Benito Mussolini, mas também com o Senador Giovanni Gentile, e este, que coordenava os trabalhos da Enciclopédia Italiana, pediu a Plínio que completasse o verbete dedicado ao Brasil, até então bastante incompleto e desatualizado, o que fez ele em uma madrugada, com o auxílio de Mário Graciotti, Manoel Gomes e Joaquim Carlos Egydio de Souza Aranha[14].
Feitas tais considerações, passemos a tratar da vida do magno filósofo do Attualismo e do Fascismo.
Oitavo de dez filhos, Giovanni Gentile nasceu a 29 de maio de 1875 na cidade de Castelvetrano, na Província de Trapani, na região ocidental da ilha da Sicília, que fora anexada ao Reino da Itália menos de quinze anos antes, graças à ação de Giuseppe Garibaldi e de seus camisas-vermelhas, conhecidos como “os mil”. De acordo com o uso, então freqüente na Sicília, de manter o prenome através das gerações, foi ele batizado como Giovanni, que era também o nome do pai, farmacêutico no vizinho paese de Campobello di Mazara, onde nascera. Já sua mãe, Teresa Curti, era natural de Castelvetrano e filha de um tabelião.
Havendo realizado os primeiros estudos em Campobello di Mazara e na cidade natal, o jovem Gentile deixou a Sicília em 1893, indo estudar na célebre e tradicional Escola de Estudos Superiores de Pisa, na Toscana, onde foi aluno de Donato Jaja, graças a quem se aproximou do pensamento do filósofo napolitano Bertrando Spaventa, e também de Alessandro D’Ancona e de Amedeo Crivellucci. Foi em Pisa, ademais, que publicou os primeiros artigos, na revista cultural Helios, de que foi um dos mais assíduos colaboradores entre 1895 e 1897.
Laureado em 1897, com tese de láurea sobre Rosmini e Gioberti e tese de habilitação ao ensino secundário sobre o materialismo histórico e dialético, Gentile se mudou para Florença, onde frequentaria curso de especialização no Instituto de Estudos Superiores. A tese de aperfeiçoamento, orientada pelo Professor Felice Tocco, sobre os filósofos da Itália Meridional, de Genevosi a Galluppi, foi aprovada com louvor máximo em junho de 1898.
Pouco mais tarde, Gentile seguiu para Campobasso, na região de Molise, onde passou a lecionar Filosofia no Liceu Mario Pagano. No ano de 1900, seguiu ele para Nápoles, onde lecionou no Liceu Vittorio Emanuele. No ano seguinte, casou-se com Erminia Nudi, que conhecera em Campobasso e que lhe daria seis filhos: Teresa (1902), Federico (1904), os gêmeos Gaetano e Giovanni júnior (1906), Benedetto (1908) e Fortunato (1910).
Em dezembro de 1902, Gentile obteve a livre-docência em Filosofia Teorética na Real Universidade de Nápoles. Em fevereiro de 1903, inaugurou ele o curso com uma prolusão intitulada Renascimento do idealismo (Rinascita dell’idealismo). Como observa Katia Colombo, nascia então o Idealismo Absoluto gentiliano[15].
 Ainda em 1903, mais precisamente em junho, Gentile obteve a livre-docência em Pedagogia na Universidade de Pisa. Meses antes, a 20 de janeiro, para sermos mais precisos, aparecera o primeiro número de La Critica, revista em que o então jovem filósofo colaboraria ativamente até 1913. Dirigida por seu amigo Benedetto Croce, La Critica existiria até 1944, se constituindo em uma das mais importantes revistas culturais europeias. Gentile ali conduziu, ao lado de Croce, nos primeiros anos do século XX, uma verdadeira guerra cultural em defesa do idealismo e contra o positivismo até então dominante na Itália. Com efeito, a destemida luta travada por Gentile, dentro e fora de La Critica, contra a ideologia positivista – análoga àquelas que, por exemplo, travaram Bergson, na França, e Farias Brito, no Brasil, - faz dele, mais do que Croce, o grande responsável pela renovação da Cultura Italiana e pela derrocada do positivismo na Itália e, por conseguinte, o principal preparador dos espíritos, naquele país, para uma visão integral da realidade e dos problemas, rompendo com as cadeias nefandas dos mitos cientificistas e naturalistas do século XIX.
Em 1906, Gentile retornou à Sicília como Professor de História da Filosofia na Universidade de Palermo, onde mais tarde fundaria a Sociedade para os estudos filosóficos (Società per gli studi filosofici) e promoveria as publicações do Anuário da Biblioteca Filosófica (Annuario della Biblioteca Filosofica).
Em 1913, Gentile publicou A reforma da dialética hegeliana (La riforma della dialetica hegeliana) e o primeiro volume do Sumário de Pedagogia como ciência filosófica (Sommario di Pedagogia come scienza filosofica) e em 1914 veio a lume o segundo volume desta obra. Em 1916 seriam publicadas a Teoria geral do espírito como ato puro (Teoria generale dello spirito come atto puro) e Os fundamentos da Filosofia do Direito (I fondamenti della filosofia del diritto); em 1920, os Discursos de religião (Discorsi di religione) e A reforma da educação (La riforma dell'educazione);  em 1917 e 1923, respectivamente, o primeiro e o segundo volume do Sistema de Lógica como teoria do conhecimento (Sistema di logica come teoria del conoscere); em 1931, a Filosofia da Arte (Filosofia dell’Arte); em 1936, a Introdução à Filosofia (Introduzione alla Filosofia) e, em 1946, o livro póstumo Gênese e estrutura da sociedade (Genesi e strutura della società). São estas as obras fundamentais do magno fiilósofo do Attualismo, todas elas marcadas pela profundidade e pela coerência.
Em 1914, Gentile se mudou para Pisa, sucedendo ao Professor Donato Jaja na cátedra de Filosofia Teorética na Universidade.
Profundamente nacionalista, Gentile defendeu entusiasticamente a entrada do Reino da Itália na guerra contra os chamados Impérios Centrais, acreditando, com igual entusiasmo, no triunfo final, que se daria em 1918, após as grandes vitórias nas batalhas de Piave (também conhecida como Batalha do Solstício), em junho daquele ano, e de Vittorio Veneto, entre os dias 24 de outubro e 03 de novembro do referido ano. Esta última selou não apenas o colapso do exército austro-húngaro e o final do conflito no fronte italiano, mas o próprio fim do Império Austro-Húngaro e, como sustentava o filósofo, a conclusão do Risorgimento Italiano.
Em 1917, Gentile se tornou Professor de História da Filosofia na Universidade de Roma. Três anos mais tarde, fundou, naquela cidade, o Jornal Crítico da Filosofia Italiana (Giornale Critico della Filosofia Italiana), revista de altos estudos filosóficos ainda hoje existente e que, graças a Gentile, obteve, desde a fundação, considerável reconhecimento por parte dos intelectuais da Itália e do Mundo e em que colaboraram, ao tempo em que era dirigida pelo filósofo, alguns dos mais notáveis pensadores italianos da época.
Em 1922, quando Benito Mussolini subiu ao poder, Gentile foi nomeado Ministro da Instrução Pública, iniciando profunda reforma conhecida como Reforma Gentile. Como afirmou o grande Homem de pensamento e de ação, na circular que enviou às autoridades e aos chefes de Instituto a 02 de novembro daquele ano, assumiu ele o Ministério da Instrução Pública sustentando sua “antiga fé nos destinos da nossa civilização e na alma da nossa escola”, conclamando todos os professores italianos a labutarem com novas forças pelo porvir da pátria[16].
A Reforma da Escola Italiana, magistralmente promovida por Gentile, partia do pressuposto de que era necessária uma Nova Escola para a Nova Itália, para a “Itália de Vittorio Veneto”, que “é uma glória cujo loureiro verdecerá perene somente se os italianos não olvidarem o seu exemplo de devoção à pátria, às suas leis, aos seus destinos; se estarão prontos a todo momento a dar tudo a ela, até mesmo a vida, sem pedir recompensas, sem fazer as contas, sem jamais crer de haver já realizado todo o seu dever: dispostos sempre (...) a aceitar livremente uma lei férrea de disciplina nacional”[17]. No mesmo sentido daquilo que afirmamos, sublinha Gentile, em entrevista dada a 29 de março de 1923 ao jornal L’Idea Nazionale, que o conceito fundamental no qual se inspira a reforma escolástica a que promovo é conhecido: criar uma escola digna de um grande povo que mereceu sair vitoriosamente de uma guerra tão grande”[18].
A Reforma da Educação de Gentile deu ênfase às matérias humanísticas e à Filosofia e criou, dentre outras coisas, um instituto para a formação dos novos professores italianos.
Ainda que não fosse “um católico, no sentido rígido, literal e formal da palavra”[19], Gentile promoveu a instauração do ensino religioso na Itália, posto que reputava necessário que as crianças italianas, que se iam formando numa nação predominantemente católica, deveriam aprender, pois, a Religião Católica. E, ademais, não hesitava ele em sustentar que, “dentre as várias religiões, o catolicismo é aquela que mais e melhor que qualquer outra prepara o espírito para uma sólida concepção religiosa da vida”[20].
Isto posto, cumpre assinalar que, anos mais tarde, em conferência intitulada A minha religião (La mia religione) e realizada em Florença a 09 de fevereiro de 1943, o filósofo se declara “cristão” e “católico”, ainda que a seu modo. Como nota, contudo, Michele Federico Sciacca, as posições filosóficas de Gentile, que não haviam mudado, eram inconciliáveis com o Cristianismo, na medida em que o pensador considerava a Religião tão somente “um momento, sempre superado e sempre renascente, do processo dialético do Espírito” e identificava o espírito humano ao espírito divino[21]. Como reconhece, porém, o autor de A Igreja e a civilização moderna (La Chiesa e la civiltà moderna), a declaração de Gentile no sentido de ser “cristão” e “católico” representa, inegavelmente, “um passo avante, se não outro, a boa vontade (direi mesmo a profunda necessidade) de sentir-se crente”. E Giovanni Gentile – prossegue Sciacca – foi, com efeito, “um espírito ‘sentimentalmente’ religioso e muito respeitador da religião católica”[22]. Com efeito, por exemplo, no Discurso aos Italianos (Discorso agli Italiani), de que cuidaremos mais tarde, Gentile nos fala da “Igreja Católica, elaboradora e propagadora admirável do Evangelho, a mais radical reforma e a mais fecunda e vital jamais feita da vida espiritual do homem”[23].
Nomeado Senador do Reino da Itália a 06 de novembro de 1922, Gentile, que recebera, em 1917, o título de Cavaleiro da Ordem da Coroa da Itália, e, em 1920, o título de Comendador da Ordem da Coroa da Itália, se tornou, em dezembro daquele ano, Grande Oficial da referida Ordem, de que receberia no ano seguinte, o Grande Cordão. Em 1918 recebera ele o título de Cavaleiro da Ordem de São Maurício e São Lázaro, de que receberia diversos outros títulos nos anos seguintes, incluindo o Grande Cordão, com o qual seria agraciado em 1937.
No dia 31 de março de 1923, Gentile escreveu a Benito Mussolini, Duce do Movimento do Fascio e de toda a Itália e Presidente do Conselho de Ministros, proclamando sua adesão ao Partido Nacional Fascista. Segue o mais relevante trecho da referida carta:

Liberal por profunda e sólida convicção, nestes meses em que tenho a honra de colaborar com a Sua alta obra de Governo e de, destarte, assistir assim de perto ao desenvolvimento dos princípios que informam a Sua política, tive eu que me convencer que o liberalismo como eu o entendo e como o entendiam os homens da gloriosa Direita que guiou a Itália do ‘Risorgimento’, o liberalismo na lei e, portanto, no Estado forte e no Estado concebido como uma realidade ética, não é hoje representado pelos liberais, que são mais ou menos contra Você, mas, precisamente, com Você.
E, assim, me convenci que entre os liberais de hoje e os fascistas que conhecem o pensamento do Seu Fascismo, um liberal autêntico que desdenhe os equívocos e ame estar em seu posto, deve se enfileirar ao lado de Você[24].

Isto posto, faz-se mister sublinhar que o “liberalismo” de Gentile, como, aliás, podemos ver pelas suas próprias palavras, nada tem que ver com o que normalmente se entende como liberalismo e que, em nossa opinião, é realmente o liberalismo. O “liberalismo” de Gentile seria o sistema que afirmaria a liberdade concreta do Homem, nada tendo, pois, que ver com o liberalismo baseado na liberdade abstrata e ilimitada do indivíduo.
A 18 de fevereiro de 1925, o Senador Giovanni Gentile, que renunciara ao cargo de Ministro da Instrução Pública no ano anterior, por conta do caso Matteotti, fundou, juntamente com o também Senador Giovanni Treccani e um grupo de influentes personalidades da Cultura, das Ciências, da Política e das Armas da Itália, o Instituto da Enciclopédia Italiana (Istituto della Enciclopedia Italiana), de que Gentile seria Diretor Científico até 1938 e Vice-Presidente entre os anos de 1933 e 1938. A primeira edição da referida Enciclopédia, verdadeiro monumento cultural na mais plena acepção do vocábulo, foi publicada, com enorme sucesso, entre os anos de 1929 e 1937, sendo constituída por trinta e cinco volumes de texto e um de índice.
Algum tempo depois, o pensador e filósofo idealista redigiu o célebre Manifesto dos intelectuais fascistas (Manifesto degli intelettuali fascisti), ao qual Benedetto Croce logo responderia com o Manifesto dos intelectuais antifascistas (Manifesto degli intelettuali antifascisti).
Publicado primeiramente no jornal Il Popolo d’Italia, de Milão, a 21 de abril daquele ano, e, mais tarde, em diversos outros jornais italianos, o Manifesto dos intelectuais fascistas buscava indicar os pontos centrais da Doutrina e do Movimento do Fascio, assim como demonstrar o apoio da intelectualidade italiana ao Fascismo e ao Governo de Mussolini. Dentre os diversos representantes da elite intelectual italiana que o assinaram podemos assinalar os nomes de Luigi Pirandello, Filippo-Tommaso Marinetti, Ugo Spirito, Ardengo Soffici, Francesco Ercole, Curzio Malaparte, Luigi Federzoni, Ferdinando Martini, Alfredo Panzini, Giuseppe Ungaretti, Ernesto Murolo, Salvatore Pincherle, Arrigo Solmi, Bruno Barilli, Vittorio Cian, Antonio, Beltramelli, Ugo Ojetti, Margherita Sarfatti, Vittorio Giovanni Rossi, Luigi Barzini senior, Corrado Ricci, Salvatore Di Giacomo, Ildebrando Pizzetti, Pericle Ducati, Gioacchino Volpe e, é claro, o próprio Gentile.
Também no ano de 1925, mais precisamente a 1º de junho, foi criado o Instituto Nacional Fascista de Cultura (Istituto Nazionale Fascista di Cultura), que seria presidido por Gentile desde a fundação até o ano de 1937 e que tinha como objetivo primordial a construção de uma sólida, orgânica e autêntica consciência cultural e política nacional italiana.
Em 1928, Gentile, que, em 1925, lançara a obra O que é o Fascismo (Che cos'è il fascismo), publicou o trabalho intitulado A Filosofia do Fascismo (La filosofia del fascismo), onde sustenta que “Mussolini é um gênio político”, cuja filosofia reside, integralmente, “na doutrina política (pensamento e ação)”. Todavia, prossegue o filósofo, “não há ideia que não expresse ali a vida do espírito e não possua a energia lógica de uma concepção do mundo e do homem no mundo, concepção que in nuce é filosofia própria e autêntica”. É daí que decorre “a sua originalidade e força, a sua potência histórica”. Segundo ele, “quem quiser apreender a filosofia do Fascismo, ou seja, a sua orientação geral e o seu modo de entender a vida, em suma, quem queira compreender a essência da fé fascista, deve olhar para o conceito fascista do Estado”[25].
O Estado fascista, segundo Gentile, nasceu, em primeiro lugar: “da crítica sindicalista soreliana ao parlamento e à democracia socialista; em segundo lugar, da experiência de dissolução a que chegaram a autoridade e a unidade do Estado com as lutas irredutíveis das forças parlamentares e dos partidos seus protagonistas; em terceiro lugar, da experiência da guerra”, guerra que, como observa um pouco adiante,  foi “sentida e vivida pelos jovens” e “como escola e formação do espírito, seria vitoriosa mesmo se tivesse sido perdida e que por ser vitoriosa se tornou ainda mais edificante”, havendo sido, para os italianos, “a revelação da nova Itália e do Estado em que tomou corpo e em que existe”[26].
            Pouco adiante, aduz Gentile que:

A imanência e radical imediação dos valores universais da vida humana à consciência e vontade de cada indivíduo foi a ideia que relampejou na mente genial de Benito Mussolini perante o espetáculo da mais florescente e prometedora juventude a morrer pela pátria, daquela juventude que ele, desdenhando agora a triste companhia dos antigos companheiros de fé, individualistas, de fato pacifistas e neutralistas, com ímpeto e ardor de apóstolo tinha chamado às armas, à guerra, por uma Itália presente, orgulhosa da sua força e da sua missão, a uma competição que decidiria a sorte da Europa e do mundo.
Nos campos de batalha, face ao trágico dilema da morte ou da vida, nas horas lentas de vigília na trincheira, o antigo socialista, a cujos ouvidos chegavam ainda os monótonos e criminosos sussurros da longínqua Câmara, via surgir diante de si, gigantesca, a imagem da pátria, viu-a no fulgor da sua luz gloriosa e compreendeu-a com a inteligência que o amor dá. Viu a pátria viva e real no Estado, unidade consciente da nação, viu que essa unidade não é, por assim dizer, o resultado, o efeito da concordância voluntária e da fusão dos ânimos, das inteligências e das vontades individuais, mas o princípio de toda a vida espiritual que circula nas almas, inteligências e vontades dos indivíduos singulares e que faz deles, não cidadãos da cidade abstrata, mas membros incindíveis de um organismo vivo nas suas determinações históricas, com um território e um passado que é uma tradição e, por isso, o conteúdo da consciência do povo e, logo, uma posição, um ideal, um programa.
O liberalismo desapareceu e, com ele, utopias e fantasias internacionalistas. Apagaram-se nas almas pelo próprio desencadear da guerra, com a qual, naturalmente, toda a nação foi constrangida pelas férreas leis da vida a fundir-se no cadinho de um interesse único, esmagador, de toda a singular veleidade dos indivíduos e das classes sociais resultante da reunião artificial das energias individuais, retirada da conexão viva e vital da economia nacional. As classes sociais foram precipitadas no seio da nação, isto é, na unidade do Estado[27].

            Um pouco adiante, já quase no final do trabalho, Gentile ressalta o caráter ético do Estado fascista: “O Estado fascista é um Estado ético, uma vez que a estrita, completa e concreta vontade humana não pode não ser ética.” Para ele, “o conceito de unidade de nação orgânica, não amorfa e abstrata mas determinada, específica e concreta, é o Estado”[28].

            Como sabemos, a posição de Gentile, que era a posição oficial do Fascismo, inspirado em Hegel, sempre foi no sentido de que o Estado é a encarnação da Ética e criador do Direito e da Moral. É este Estado Ético fundador da Moral e do Direito e, por conseguinte, fonte das normas morais e jurídicas, educador e regulador das consciências, consciência entre a Deus e o Homem, absorvedor da autonomia e do magistério da Igreja, que Michele Federico Sciacca condena em breve porém significativo trabalho sobre O idealismo moderno[29]. Que não se confunda, contudo, tal Estado com o Estado Ético do Integralismo, que, como vimos, é o Estado que age de acordo com a Lei Ética Superior, sendo transcendido pela Ética e movido pelo ideal da Ética, não sendo um fim, como o Estado Ético hegeliano-fascista, mas sim um meio a serviço do Homem, dos Corpos Intermediários e do Bem Comum, subordinado este ao fim transcendente do Homem.
            Isto posto, cumpre destacar que o fato de a maioria dos fascistas haver abandonado a crença no Estado Totalitário de inspiração hegeliana, em grande medida graças, inclusive, ao estudo do pensamento de Julius Evola, ferrenho crítico do Estado Ético fascista, bem como do estudo de outras doutrinas políticas, a exemplo daquelas do Movimento Legionário, da Falange Espanhola e do próprio Integralismo, fez com que se concretizasse a hipótese, levantada por Gustavo Barroso, de que o Fascismo Italiano um dia, abandonando sua concepção de Estado, poderia evoluir para o Integralismo[30].
            Também de 1928 são os ensaios Fascismo e Cultura e A essência do Fascismo (L’essenza del Fascismo). O primeiro foi publicado em Milão pela editora Treves e o segundo apareceu no volume A civilização fascista (La civiltà fascista), de autoria coletiva, publicado em Turim Pela UTET, republicado separadamente, acrescido de uma segunda parte, pela Libreria del Littorio, de Roma, em 1929, e, em seguida, na obra Origens e doutrina do fascismo (Origini e dottrina del fascismo), publicada, também em Roma e em 1929, pelo Instituto Nacional Fascista de Cultura.
            A 28 de outubro de 1929, Benito Mussolini inaugurou, oficialmente, a Real Academia d’Itália (Reale Accademia d’Italia), ou, simplesmente Academia d’Itália (Accademia d’Italia). Tal Academia fora instituída em 1926, por meio de um decreto-lei, mas, para criar “uma Academia digna de Roma, da Itália e do Fascismo”, como declarou o Duce, havia sido necessário todo aquele período de preparação espiritual, bem como a restauração da Villa Farnesina, sede da Academia[31].
            Como observa Guglielmo Marconi:

A Real Academia d’Itália representa, na mente do Chefe de Governo que a promove, repito as suas próprias palavras, um centro vivo da cultura nacional, que alimenta e promove o movimento intelectual, segundo o gênio e as tradições da nossa gente e o difunde eficazmente além dos confins da pátria e sobretudo contribui para formar aquela comunhão das inteligências, com a qual é possível aos italianos afirmar o primado nas artes e nas ciências que foi muitas vezes nosso, o reconduzindo àquela universalidade que é característica da inteligência italiana e que refulge através de Dante, Tomás De Aquino, Galileu e Leonardo da Vinci[32].

            Uma das mais importantes realizações culturais do vintênio fascista, a Academia d’Itália tinha por objetivos, segundo o artigo 2º de seus estatutos, a promoção e a coordenação do movimento intelectual italiano no campo das Ciências, das Letras e das Artes, bem como “conservar puro o caráter nacional segundo o gênio e as tradições da estirpe e de favorecer a expansão e o influxo além dos confins do Estado”[33]. Dentre os grandes vultos que pertenceram à Academia podemos destacar Gabriele D’Annunzio, Luigi Pirandello, Giovanni Papini, Pietro Mascagni, Ottorino Respighi, Filippo-Tommaso Marinetti, Guglielmo Marconi, Giuseppe Ungaretti, Salvatore Di Giacomo, Ettore Romagnoli, Giuseppe Tucci, Enrico Fermi, Pietro Canonica, Francesco Messina, Ardengo Soffici, Antonino Pagliaro, Luigi Federzoni e, graças à absorção da Real Academia Nacional dos Linces (Reale Accademia Nazionale dei Lincei) pela Real Academia d’Itália, em 1939, Giovanni Gentile, Cesare Maria De Vecchi, Giuseppe Bottai e tantos outros ilustres que faziam parte daquela Academia.
Em 1932, Gentile se tornou Diretor da Escola Normal Superior de Pisa e Sócio Nacional da Real Academia Nacional dos Linces. No mesmo ano, inaugurou o Instituto Nacional de Estudos Germânicos (Istituto Nazionale di Studi Germanici), de que seria presidente a partir de 1934. Também em tal ano foi publicado o volume XIV da Enciclopédia Italiana, contendo o verbete Fascismo, de que consta o texto A Doutrina do Fascismo (La Dottrina del Fascismo), assinado por Mussolini, mas cuja parte inicial, intitulada Ideias fundamentais (Idee fondamentali) foi, como salienta Gabriele Turi, escrita por Gentile, a pedido do Duce[34]. Como sublinha A. James Gregor, o fato de Mussolini haver escolhido Gentile para redigir a parte filosófica da Doutrina oficial do Fascismo demonstra o profundo respeito que os fascistas tinham pelo pensamento gentiliano[35].
Infelizmente não podendo proceder, aqui, por razões de tempo e de espaço, a uma mais apurada análise do referido texto, reputamos oportuno, ao menos, transcrever suas linhas finais:

Em suma o fascismo, não é somente promulgador de leis e fundador de institutos, mas é educador e promotor de vida espiritual. Pretende refazer, não as formas de vida humana, mas sim, o homem, o caráter, a fé. E para alcançar este fim, é preciso disciplina e autoridade que penetrem nos espíritos, dominando-os incontrastavelmente. O seu emblema, portanto, é o feixe dos litores, símbolo da unidade, da força e da justiça[36].

No ano de 1933, Gentile inaugurou o Instituto Italiano para o Médio e Extremo Oriente (Istituto Italiano per Il Medio e Estremo Oriente), se tornando presidente de tal Instituto.
A 19 de abril de 1934 foi apresentada, no Instituto Nacional Fascista de Cultura, em Roma, comunicação de Gentile intitulada Economia e Ética (Economia ed etica) e dirigida contra o homo oeconomicus, o economicismo, o liberalismo econômico, que separou a Economia da Ética, e seu filho “revolucionário”, o marxismo. Com efeito, pondera Gentile, em tal comunicação, que as concepções de Marx são rigorosamente materialistas e economicistas, entendendo o falso profeta do credo marxista que “tudo aquilo que é humano é econômico” e que “ninguém tem direito à existência se não é [economicamente] útil”, não atentando, pois, para o fato de que o fator “econômico não é humanidade, mas instrumento do homem”, sendo útil tão somente enquanto serve a este[37]. E conclui a comunicação ressaltando que a política do Fascismo é contrária a Marx porque é contrária ao “liberalismo que ele combatia, mas de cujo espírito se pode dizer que ele foi o mais franco, o mais lógico representante”[38].
Nesse mesmo ano, Gentile se tornou Vice-Presidente da Universidade Bocconi, em Milão, e inaugurou, em Gênova, o Instituto Mazziniano (Istituto Mazziniano). Em 1938, se tornou Presidente do Instituto Nacional de Estudos Manzonianos (Istituto Nazionale di Studi Manzoniani) e, em 1941, Presidente do instituto Domus Galileana, em Pisa.
            A 24 de julho de 1943, quando era já iminente a invasão da Itália pelas forças aliadas, Gentile divulgou o Discurso aos Italianos (Discorso agli Italiani), onde reafirmou suas convicções fascistas, mas ressaltou que falava, antes de tudo, como italiano e se dirigindo a todos os italianos, fascistas ou não. Falou, naquele momento difícil da guerra, sobre a grandeza e eternidade da Itália e de tudo quanto esta representa, incitando todos à união e à luta heróica em defesa da pátria, finalizando nos seguintes termos:

Italianos, sede vós fiéis à antiga mãe; disciplinados, concordes, lembrando-se da responsabilidade – que vem a vós da honra de ser italianos; resolutos a resistir, a combater, a não desmobilizar os ânimos enquanto o inimigo vos ameaçar, e duvidar da vossa fé e do vosso caráter. As disputas e as dissensões para depois. Em Calatafimi, Garibaldi gritou a Nino Bixio: Aqui se faz a Itália ou se morre. Aquele grito não se apagou e a grande voz do Herói ressoa, deve ressoar hoje no nosso coração. Aqui se salva a Itália ou se morre. Nós que estamos na superfície dos anos e tivemos a experiência da hereditariedade dos pais, sentindo sempre a nossa obrigação de conservá-la, esta hereditariedade, e por mais que tivéssemos que acrescê-la com o nosso trabalho e com cada esforço de boa vontade, não sabemos pensar que ela não pode ser consignada nas mãos dos jovens, capazes de erguê-la ao alto com o vigor de seus braços acima das discórdias passageiras, dos pequenos ressentimentos sectários, das ânsias e dos riscos da hora presente, acima de todas as debilidades humanas, para transmiti-la aos descendentes, sempre viva, esplêndida de sua eterna juventude.
Com esta fé na Pátria imortal, nós mandamos a nossa saudação de reconhecimento aos heróicos soldados da terra, do mar e do céu; continuamos a mirar à Sacra Majestade do Rei, silenciosa e segura na simplicidade austera do gesto e da palavra; a mirar nos olhos do Duce, que conhece as tempestades e que deu provas da coragem que o faz vencer, da indômita paixão com a qual se deve mirar o destino.
Viva a Itália![39]

            Monarquista ferrenho, Gentile aderiu, ainda assim, à República Social Italiana, aceitando, após um encontro com Mussolini, o cargo de Presidente da Academia d’Itália a fim de preservar a unidade italiana[40].
            Residindo em Florença, na Villa Montalto, no bairro de Salviatino, desde fins de 1943, Gentile dirigia a Academia d’Itália, que para lá se transferira, bem como a tradicional revista de ciências, letras e artes Nuova Antologia, quando, a 15 de abril de 1944, a uma e meia da tarde, quando retornava de automóvel da sede da Academia para sua villa,  onde almoçaria, foi atingido por disparos de quatro ciclistas que o esperavam nas proximidades da villa e eram liderados por Bruno Fanciulacci, membro do movimento terrorista de inspiração comunista GAP (Gruppi d’Azione Partigiani). Um dos assassinos gritou: “Em você não matamos o homem, mas a ideia”. Levado moribundo ao Hospital de Careggi, foi atendido primeiramente, por coincidência, pelo filho Gaetano, então assistente do Dr. Piero Valdoni. Todos os partidos condenaram o bárbaro assassínio do velho filósofo, exceto o comunista.
            Diversamente do que afirmou seu infame assassino, a ideia de Gentile está viva e continua e continuará inspirando todos os verdadeiros italianos, isto é, todos os italianos conscientes de sua Pátria, de sua Nação, de sua Tradição. Já a ideia dos partigiani, o comunismo, está totalmente morta, a despeito de muitos ainda carregarem seu cadáver putrefato, especialmente em nossa América Hispânica, na África e na Ásia.
            Concordamos com diversos aspectos do pensamento gentiliano. Como ele, imbuídos “do sentimento de justo nacionalismo”, que, na expressão do Papa Pio XI, “a reta ordem da caridade cristã não somente não desaprova, mas com regras próprias santifica e vivifica”[41], nos proclamamos nacionalistas e, do mesmo modo, valorizamos o Trabalho, direito e dever do Homem, reconhecendo neste um ato espiritual e afirmamos a primazia do Social sobre o individual e nos opomos a uma Economia divorciada da Ética e compreendida como fim e não instrumento da Pessoa Humana. Como ele, também somos tradicionalistas, entendendo que a Tradição não é o simples culto dos mortos e dos antepassados, mas de toda uma série de valores perenes, constituindo a base de todo progresso e toda renovação. E, ainda como ele, sustentamos a eticidade do Estado, embora afirmemos – ao contrário do filósofo – que o Estado não é um fim e nem a encarnação da Ética, mas tão somente um instrumento da Pessoa Humana e dos Grupos Naturais, subordinado ao fim transcendente daquela,  e transcendido pela Ética e movido por um ideal ético.
         Diversamente, porém, de Gentile, não somos idealistas, mas sim realistas formados no pensamento de Aristóteles e de Santo Tomás de Aquino. Do mesmo modo, diferentemente do pensador siciliano, defendemos o Direito Natural Tradicional e um modelo de corporativismo em que as corporações se constituem na espinha dorsal da Sociedade e do Estado e não um mero instrumento do Estado Totalitário.
         A despeito, contudo, das divergências que temos em relação ao pensamento de Gentile, não podemos deixar de reconhecer nele um dos mais importantes pensadores e filósofos do século XX e de afirmar que, se a grande, augusta e heróica Itália de Vittorio Veneto e da Marcha sobre Roma um dia renascer, como uma fênix, das cinzas da pequena Itália liberal-burguesa e liberal-democrática da hora presente, o nome e a sólida, fecunda e vigorosa obra de Gentile terão o reconhecimento que merecem, inspirando mesmo, em grande medida, a Nova Ordem.













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[1] Tais palavras constam da placa comemorativa em homenagem a Sciacca, colocada dentro do Liceu Clássico Michele Amari, em Giarre, cidade natal do filósofo.
[2] SCIACCA, Michele Federico. História da Filosofia, vol. III, cit., p. 216.
[3] Idem, loc. cit.
[4] Cf. MACEDO, Ubiratan de. Apresentação. In CZERNA, Renato Cirell. Justiça e História. São Paulo: Convívio/Editora da Universidade de São Paulo, 1987, p. XI.
[5] CZERNA, Renato Cirell. Sobre o neo-hegelianismo atualista e o “processo ao subjetivismo ocidental. In Idem. Justiça e História, cit., p. 292.
[6] GENTILE, Giovanni. Teoria generale dello spirito come atto puro. 3ª Ed. Bari: Laterza, 1920, p. 6.
[7] Idem. Introduzione alla Filosofia.1ª ed. Roma: Treves-Treccani-Tumminelli, 1933-XI, p. 21.
[8] Idem. La tradizione italiana. In Idem. Frammenti di estetica e di teoria della storia, vol. II. Florença: Le Lettere, 1992, pp. 97-98.
[9] Idem, p. 118.
[10] SALGADO, Plínio. Carta de Princípios do Partido de Representação Popular. Edição do Comitê de Propaganda pró Candidatura de Plínio Salgado, 1955, p. 3.
[11] GENTILE, Giovanni. Ideias fundamentais. In MUSSOLINI, Benito. A Doutrina do Fascismo. Trad. para o português. Florença: Vallecchi Editore, 1935-XIII, p. 14.
[12] Idem. A Filosofia do Fascismo. Transcrita da obra Para a Compreensão do Fascismo, organizada por António José de Brito e publicada em 1999, pela editora Nova Arrancada, de Lisboa.  Disponível em: http://forumpatria.com/debate-politico-e-ideologico/a-filosofia-do-fascismo-giovanni-gentile/. Acesso em 20 de novembro de 2010.
[13] Idem. I fondamenti della filosofia del diritto. 3ª ed. rev. e acresc. com dois estudos sobre a filosofia de Marx. Florença: G. C. Sansoni – Editore, 1937-XV, p. 103.
[14] GRACIOTTI, Mário. Europa tranqüila. São Paulo: Editora Cupolo Ltda., 1948, pp. 128-129.
[15] COLOMBO, Katia. La pedagogia filosofica di Giovanni Gentile. 1ª ed., 6ª reimpr. Milão: FrancoAngeli, 2009, p. 55.
[16] GENTILE, Giovanni.Saluto. In Idem. La Riforma della Scuola in Italia. 3ª ed. rev. e acresc. a cura de Hervé A. Cavallera. Florença: Le Lettere, 2003, p. 1.
[17] Idem. Lux Perpetua. In Idem. La Riforma della Scuola in Italia, cit., pp. 2-3.
[18] Idem. Chiarimenti sui concetti della Riforma. In Idem. La Riforma della Scuola in Italia, cit., p. 35.
[19] Idem. L’insegnamento religioso nelle scuole. In Idem. La Riforma della Scuola in Italia, cit., p. 25.
[20] Idem, loc. cit.
[21] SCIACCA, Michele Federico. O idealismo moderno. In VÁRIOS. Heresias do nosso tempo. Trad. portuguesa do  Pe. António Marques. Prefácio de Dom Giovanni Rossi. 2ª ed. Porto: Livraria Tavares Martins, 1960, pp. 60-62
[22] Idem, p. 62.
[23] GENTILE, Giovanni. Discorso agli Italiani. Disponível em:
[24] Idem. Adesione al Partito Fascista. In Idem. La Riforma della Scuola in Italia, cit., pp. 94-95.
[25] Idem. A Filosofia do Fascismo, cit.
[26] Idem.
[27] Idem.
[28] Idem.
[29] SCIACCA, Michele Federico. O idealismo moderno, cit., pp. 49-69.
[30] BARROSO, Gustavo. O Integralismo e o Mundo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1936, p. 18.
[31] MUSSOLINI, Benito. Discurso pronunciado na inauguração da Academia d’Itália. Diponível em: http://it.oocities.com/brigatanera88/1929f.htm. Acesso em 23 de novembro de 2010.
[32] MARCONI, Guglielmo. Scienza e Fascismo. Disponível em: http://ilcovo.mastertopforum.net/scienza-e-fascismo-g-marconi-vt1464.html. Acesso em 23 de novembro de 2010.
[33] Apud MARCONI, Guglielmo. Scienza e Fascismo, cit.
[34] TURI, Gabriele. Giovanni Gentile: Una biografia. Florença: Giunti Editore, 1995, p. 426.
[35] GREGOR, A. James. Phoenix: Fascism in our time, cit., p. 940.
[36] GENTILE, Giovanni. Ideias fundamentais. In MUSSOLINI, Benito. A Doutrina do Fascismo, cit., p. 16.
[37] Idem. Economia ed etica. In Idem. Memorie italiane e problemi della filosofia della vita. Florença: G. C. Sansoni – Editore, 1936-XIV, pp. 285 e 287.
[38] Idem, p. 293.
[39] Idem. Discorso agli Italiani, cit.
[40] Cf. Gregor, A. James. Giovanni Gentile: Philosopher of Fascism. 1ª ed., 4ª reimpr. New Brunswick: Transaction Publishers, 2009, pp. 89-90.
[41] PIO XI. Encíclica Caritate Christi Compulsi. Disponível: http://www.vatican.va/holy_father/pius_xi/encyclicals/documents/hf_p-xi_enc_19320503_caritate-christi-compulsi_it.html. Acesso em 25 de novembro de 2010.