Giovanni Gentile

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A filosofia do fascismo - Giovanni Gentile (parte 1)


1. Como todo o movimento espiritual de amplitude, o Fascismo tem uma filosofia própria. Todavia, quem procurar um volume onde esta possa estar exposta no todo ou em parte, não o encontrará, e quem a expuser em proposições ocasionais e separadas extraídas dos vários e diversos escritos do Chefe e dos seus seguidores autorizados que pareçam susceptíveis de ordenação sistemática, corre o risco de erguer uma filosofia à sua imagem e semelhança, mas sem verdade e sem vida.
A filosofia de Mussolini não está tanto no que ele disse, mas no que fez (sabe-se que as ideias de um homem se patenteiam, mais do que nas palavras, nas acções). Acima de tudo, há que considerar que as acções e palavras têm um significado enquanto expressões de um espírito que é aquilo que é porque possui um carácter, uma nota fundamental, um princípio, em suma; é deste que importa partir para entender acções e palavras singulares, a razão de ser de cada uma delas, sentir onde está a tónica quando o homem fala e a sua finalidade quando age.
Mussolini é um génio político. Toda a sua filosofia reside, pois, na doutrina política (pensamento e acção); contudo, não há ideia que não expresse ali a vida do espírito e não possua a energia lógica de uma concepção do mundo e do homem no mundo, concepção que in nuce é filosofia própria e autêntica. Daí, a sua originalidade e força, a sua potência histórica. Assim, quem quiser apreender a filosofia do Fascismo, ou seja, a sua orientação geral e o seu modo de entender a vida, em suma, quem queira compreender a essência da fé fascista, deve olhar para o conceito fascista do Estado

2. Primeiro, o Estado fascista nasceu da crítica sindicalista soreliana ao parlamento e à democracia socialista; em segundo lugar, da experiência de dissolução a que chegaram a autoridade e a unidade do Estado com as lutas irredutíveis das forças parlamentares e dos partidos seus protagonistas; em terceiro lugar, da experiência da guerra.
A crítica que o novo sindicalismo ia desenvolvendo - fruto da mordaz desvalorização que o marxismo fez de todas as artificiosas estruturas políticas não geradas pela profunda realidade económica ou que não aderiam às estruturas básicas da organização produtiva e aos interesses efectivos dos grupos sociais - esvaziou o Estado parlamentar do seu conteúdo. De facto, demonstrou o afastamento ou, melhor, o contraste insolúvel entre nação e Estado, entre os cidadãos, em que, historicamente e sob todos os pontos de vista, se concretizam a vida do Estado e os poderes que em regime parlamentar se presume que unem e unificam esses cidadãos numa consciência única e numa vontade política ou universal. Crítica conhecida, que atinge principalmente o conceito de representação, pondo-lhe a nu o carácter convencional e ilusório.
Essa crítica era como que ilustrada e comprovada pela experiência quotidiana do descrédito cada vez maior em que caíam as instituições parlamentares, agora já despojadas do prestígio sem o qual não é possível exercer uma acção eficaz sobre o povo; do embaraço cada vez maior em que o jogo dos partidos no parlamento punha o governo onde se concentra, e, portanto, onde actua e se explana a autoridade do Estado; a fraqueza progressiva que cada dia atingia mais e mais governo e parlamento, chegando a uma forma que se assemelhava já à paralisia. Daí, a crescente insolência das forças desagregadoras rebeldes contra o poder do Estado, desprezando, ou, pelo menos, sendo indiferentes às suas leis, alheias aos interesses gerais e dirigidas, mais que pela acção do poder soberano, pela consciência e vantagens das categorias particulares (trabalhadores, empregados, mestres, professores, etc.), organizadas em ligas de resistência contra o Estado e situadas em posição de desconfiança e suspeita contra este, de que todos os interesses legítimos deviam obter garantia e tutela. Exaltado e cultivado com ardor, esse espírito de organização trouxe, não um conteúdo mais sólido ao Estado, mas a oposição de uma massa compacta de interesses. A esta eloquente e sugestiva experiência de 1915 juntou-se outra mais significativa e evidente: a guerra.
Precedida na Itália de um período de discórdias ferozes, a opinião pública reflectia a alma nacional dilacerada por concepções opostas da vida, da história e do futuro da nação, alma que, submetida à prova, mostrava não estar educada politicamente na consciência segura dos destinos da nação, que projectam e formam como ideal e lei a sua própria personalidade. Guerra precedida, pois, de turvos debates e contrastes entre intervencionistas e neutralistas, declarada contra a vontade efectiva da Câmara, ainda que esta dissimulasse manhosamente a sua oposição sob a forte pressão da corrente intervencionista dominante no país.
Falência clamorosa da mentira convencional da representação da vontade popular e condenação dessa Câmara a uma vida pouco gloriosa (que devia protelar-se por toda a guerra) na situação falsa a que a história e a sua vontade a tinham amarrado.
A Câmara estava afastada da nação num momento em que esta se reencontrava a si mesma com uma só consciência, uma só vontade e um só ânimo, pronta a enfrentar uma grande prova, um daqueles esforços heróicos em que os indivíduos sentem o Estado como a sua essência mais profunda, como um ideal pelo qual importa viver e importa, também, morrer, ideal que é medida de todos os bens da vida e afastado do qual o homem pode sentir prazer, mas perde a consciência do próprio valor e do próprio ser, do ser que fala uma língua e tem recordações sagradas em comum com os outros e, ao mesmo tempo, esperanças que representam para ele a razão de viver: um sol que brilha alto no céu, que o aquece e conserva em conjunto com os que nasceram na mesma parte do mundo e que com ele se associam e vinculam a uma história. Há séculos que a Itália não se sentia tão Itália: a partir do seu Risorgimento, nos onze lustros da sua nova vida, nunca como então fora sacudida por um tal frémito de substancial unidade de espírito, daquela unidade que faz de uma nação um Estado consciente do tronco único onde vai beber toda a sua linfa vital.
Com a guerra, ressurgia nos ânimos o Estado, a pátria veneranda, não a palavra retórica ou abstracta, mas a lei e a vida da alma; e o parlamento dos representantes do povo italiano era superado, posto de parte, morto ou moribundo. A guerra foi totalmente obra da Itália jovem que não se deixava prender às ideologias libertárias, que voltava desdenhosamente as costas à Câmara dos advogados e aventureiros das condecoraçõezinhas, aos cultores da alquimia de grupos e grupinhos, aos espertalhões e velhacos das combinações habilidosas dos buracos formidáveis e de minas subterrâneas aos gabinetes. Guerra da Itália jovem, que nos primeiros anos do século começava a aprender algumas verdades importantes: que a vida não é esse miserável jogo de habilidade, de esperteza e de cálculo a que os homens políticos do liberalismo radical e socialistóide a tinham reduzido; é coisa séria, semelhante a uma religião, como Mazzini, o maior profeta do Risorgimento, pregava aos seus partidários: vida que não nos pertence como um direito a exercer e a gozar, mas que é dever a cumprir, missão a realizar e, sendo missão, a realizar mesmo através do sacrifício pessoal, posto que o indivíduo, separado da solidariedade espiritual, da nação e da humanidade, não tem valor em si visto ser apenas, como diria um filósofo, aquilo que actua através da universalidade do espírito.
A guerra sentida e vivida pelos jovens, a guerra que, como escola e formação do espírito, seria vitoriosa mesmo se tivesse sido perdida e que por ser vitoriosa se tornou ainda mais edificante, foi para os italianos a revelação da nova Itália e do Estado em que tomou corpo e em que existe.

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