Giovanni Gentile

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A filosofia do fascismo - Giovanni Gentile (parte 2)



3. Foi a revelação da essência idealista do Estado e da nação, da sociedade, da pátria, encontrada no próprio ânimo que é fonte secreta do que o indivíduo pode ver na sua consciência como conteúdo real da sua personalidade. Digo essência idealista, apesar de não faltar entre os fascistas bem pensantes quem se assuste ao ouvir falar de idealismo. Mas entendamo-nos. É preciso reconhecer que o Estado, como a experiência da guerra o revelou num relâmpago à reflexão amadurecida dos italianos que pensam a pátria, não é qualquer coisa a que dão o ser cada um dos indivíduos materialmente existentes por si e como se apresentam no espaço, em que cada homem é exterior a todos os outros, a todas as coisas que o circundam, em que todas estão excluídas do seu âmbito, em suma, onde tudo é particular e diferenciado, de modo que onde está isto não está aquilo e em que o ser de um é o não-ser do outro. Esse individualismo atómico foi visado na Itália por Mazzini e condenado como materialismo grosseiro. E com razão. Pode repudiar-se a concepção materialista do mundo, professar com o máximo de boa fé o espiritualismo e falar então de espaço ideal a distinguir do empírico (o único que existe), onde se colocam todos os entes materiais; mas, reflectindo bem, será fácil descobrir que esse espaço ideal postulado é uma simples metáfora e que o limite, apesar de tudo afirmado entre ente e ente, anula a liberdade que é essencial ao espírito e precipita o que se denomina por espírito numa materialidade férrea. Em síntese: há que entender que a realidade graças à qual o indivíduo humano atinge os caracteres constitutivos da sua natureza humana com que pensa, sente, quer e ganha uma personalidade, não é a particularidade superficial que o diferencia de todos os outros, é algo de universal, o fundo do ser, que não se vê com os olhos, que não é objecto de experiência, mas condição desta. Um exemplo: o indivíduo fala ou consegue falar pronunciando certas palavras ditas em certo momento e em certo lugar num tom pessoal único e inconfundível; no entanto, essas palavras, mesmo se ninguém as ouve, só podem ser pronunciadas porque fazem parte de uma língua que não é sua em particular, mas da gente a que pertence, que fala para se fazer entender: e embora se renove continuamente na boca do poeta - e em geral do homem - numa perpétua criação original, a língua contém sempre uma virtude expansiva graças à qual será recolhida, cedo ou tarde, por toda a alma honesta.
Sem esse valor universal, o indivíduo não falaria, não poderia exprimir-se, seria como uma pedra, ficaria fechado em si mesmo e totalmente mudo, condição de que se afasta ao balbuciar em silêncio no seu íntimo as palavras que repetirá em voz alta mas que, mesmo guardadas no coração, romperam já a crisálida do espírito para o grande voo da vida infinita.
Donde quer que brotem linguagem e razão, sentido do divino e do belo, boa vontade e lei, a humanidade espiritual é um valor universal a que adere e se adequa a actividade do homem para pôr em acto essa humanidade. Face à qual, por outro lado, não é dado ao homem recalcitrar e opor-se ou colocar-se de modo absoluto fora da lei; porque ele existe e vive dentro dessa atmosfera, o mínimo suspiro seu insere-se no ritmo da realidade universal para cuja realização, querendo ou não, concorre com maior ou menor consciência.
A imanência e radical imediação dos valores universais da vida humana à consciência e vontade de cada indivíduo foi a ideia que relampejou na mente genial de Benito Mussolini perante o espectáculo da mais florescente e prometedora juventude a morrer pela pátria, daquela juventude que ele, desdenhando agora a triste companhia dos antigos companheiros de fé, individualistas, de facto pacifistas e neutralistas, com ímpeto e ardor de apóstolo tinha chamado às armas, à guerra, por uma Itália presente, orgulhosa da sua força e da sua missão, a uma competição que decidiria a sorte da Europa e do mundo.

4. Nos campos de batalha, face ao trágico dilema da morte ou da vida, nas horas lentas de vigília na trincheira, o antigo socialista, a cujos ouvidos chegavam ainda os monótonos e criminosos sussurros da longínqua Câmara, via surgir diante de si, gigantesca, a imagem da pátria, viu-a no fulgor da sua luz gloriosa e compreendeu-a com a inteligência que o amor dá. Viu a pátria viva e real no Estado, unidade consciente da nação, viu que essa unidade não é, por assim dizer, o resultado, o efeito da concordância voluntária e da fusão dos ânimos, das inteligências e das vontades individuais, mas o princípio de toda a vida espiritual que circula nas almas, inteligências e vontades dos indivíduos singulares e que faz deles, não cidadãos da cidade abstracta, mas membros incindíveis de um organismo vivo nas suas determinações históricas, com um território e um passado que é uma tradição e, por isso, o conteúdo da consciência do povo e, logo, uma posição, um ideal, um programa.
O liberalismo desapareceu e, com ele, utopias e fantasias internacionalistas. Apagaram-se nas almas pelo próprio desencadear da guerra, com a qual, naturalmente, toda a nação foi constrangida pelas férreas leis da vida a fundir-se no cadinho de um interesse único, esmagador, de toda a singular veleidade dos indivíduos e das classes sociais resultante da reunião artificial das energias individuais, retirada da conexão viva e vital da economia nacional. As classes sociais foram precipitadas no seio da nação, isto é, na unidade do Estado. Mas este mostrara-se em acto, não o Estado do velho conceito liberal, do velho direito de natureza, que se apoiava desde há séculos no indivíduo, única substância espiritual e ética, para minar o despotismo que, depois da comuna medieval, foi a primeira forma do Estado moderno e a arma das pessoas singulares e das classes nobres e burguesas que tentavam enfraquecer o poder dos príncipes, e também da Igreja, que se servia das teorias jusnaturalistas e contratualistas para pôr em causa a autoridade do Estado sempre que este se empenhava em afirmar a própria autonomia e a libertar-se de toda a ingerência eclesiástica. Até à Revolução Francesa e ao constitucionalismo liberal do século XIX, há uma palavra para que todos apelam e da qual todos ou quase todos abusam: liberdade. Palavra que em certos momentos o Fascismo despiu de todo o significado, como pode parecer, quando a verdade é o inverso; a liberdade do jusnaturalismo, do contratualismo, do liberalismo clássico, é uma liberdade que se pretende atribuir especificamente ao indivíduo particular quando este, na realidade, é a negação da liberdade. Com efeito, quem diz indivíduo e o abstrai do Estado, diz sujeito limitado no agir, no querer e no pensar, oposto, portanto, à lei, não se vendo, e é vão pretender ver, como possa conformar-se e submeter-se-Ihe racionalmente, destinado como está, em função do seu limite, a ser negado, isto é, oprimido, esmagado, aniquilado pela força da mesma lei, se esta tem força para se fazer valer face à vontade individual. Quem diz liberdade, diz atributo de um sujeito que, pela universalidade do seu querer, não tem limites nem condições e não tem uma lei frente a si que lhe comprometa de algum modo a autonomia. Nesse caso a liberdade é uma pretensão ilegítima e vã; é a procura de um tesouro onde não pode ser encontrado. Por isso, verdadeiramente, não foi procurado e trocado por um nome vão. A liberdade do individualismo, seja qual for a forma de a entender, é a tentativa louca de fazer baixar violentamente do mundo do espírito ao da matéria a prerrogativa divina do homem, onde só poderá ser sufocada. Se se quer liberdade, esta não poderá exigir-se e obter-se senão para o homem que é homem, para o homem que actua porque pensa e que pensa porque fala, que possui uma linguagem, uma razão, um costume, uma lei que o envolve à maneira de estojo de jóias; para o homem que não sendo esse ser particular, aparece com a sua pessoa física no mundo do espaço embora limitado a confins estreitos, mas é pessoa moral, natureza infinita e eterna e demonstra sê-lo quando cria ao falar os eternos fantasmas da arte num mundo sem espaço e sem tempo em que os espíritos de uma região e época se unem de facto e são irmãos cor cordium; que demonstra sê-lo, raciocinando com argumentos sobre os quais todos estão prontos a concordar e que, pelo menos, de jure, se mostra de um pensamento só; que, cumprindo uma lei de conduta revestida de esplendor moral, demonstra ser objecto de admiração e aplauso universal. Ou o homem vê e sente em si essa natureza que lhe infunde no coração a fé segura de poder com as próprias forças ser digno, por assim dizer, perante os outros homens e perante Deus, ou cabe-lhe abandonar a orgulhosa pretensão de liberdade.
O homem livre é realmente individualidade, originalidade, é ele mesmo.
É-o, porém, na medida em que aquilo que é pensamento e acção não se fecha em si, não tem significado exclusivo para si, mas que irradia do seu coração e cérebro e se expande em redor como luz que aquece e ilumina todos os corações e cérebros. A todos, de mãos dadas, dos mais vizinhos aos mais distantes, da família ao Estado, a universalidade do espírito encontra uma forma positiva e concreta, já que no Estado a lei é lei positiva, com uma validez que representa força e potência efectivas.

5. Segundo a profunda concepção do homem a que o Fascismo aderiu, o Estado é, pois, a actualização da humanidade interior do homem, a forma deste começar a sentir realizada a sua universalidade.
Com o seu poder soberano, o Estado é o próprio homem, a própria consciência individual ou personalidade reflectida na sua natureza e capacidades que, por isso mesmo, desce às raízes da fé de que é portador se possui a coragem de falar e de agir. É assim que o homem se vê dotado da virtude expansiva de se procurar e encontrar, de sair de si e se projectar nos filhos, nos concidadãos, na terra que o acolheu em criança e o alimentou, onde vive chez sai, num mundo com uma forma determinada pelo poder reconhecido e que, além disso, sabe fazer reconhecer-se.
O Estado fascista é o Estado cuja existência, cujo fundamento, cujo princípio de realização está, não acima e fora, mas dentro da própria alma do cidadão: é a forma concreta, activa, positiva, do seu efectivo e actual querer.

6. A unidade do indivíduo e do Estado é um princípio que suscita apreensões e alarmes aos não familiarizados com os conceitos ou aos que tomam as coisas pela rama (filósofos materiais, como diria Platão). - O Estado está na vontade do indivíduo? Só existe o indivíduo e o indivíduo é tudo. Logo, pelo menos anarquia, inconsciente e potencial. - O indivíduo tem a sua vontade legítima na vontade do Estado? Logo, panteísmo e estatolatria, ou seja, autoritarismo despótico e aniquilamento da personalidade, isto é, morte da liberdade.
Quase seria desnecessário dizer que são estas as suspeitas e as acusações com que o Fascismo depara, sobretudo entre os estrangeiros que não o conhecem de perto, que ignoram a sua génese e as suas tendências e não são capazes de entender o amplíssimo movimento nacional que encontrou na pessoa de Mussolini o seu herói, a sua voz e a sua vontade.
Para os mais familiarizados com os conceitos e, portanto, preparados para entenderem os caracteres diferenciais de uma doutrina política, será útil advertir que esta unidade de Estado e cidadão não é de modo algum um conceito arbitrário ou uma espécie de invenção. Essa unidade é o conceito adequado à essência do Estado; é a essência mesma do Estado, que nunca foi outra coisa que a coincidência entre a vontade do indivíduo singular, membro da sociedade política real, e da vontade do Estado, que confere actualidade a tal sociedade. Seja qual for o nome que lhe chamem, não há Estado que, quanto à sua existência, possa viver de outra coisa que não seja o consenso. O consenso entre governantes e governados é mais ou menos espontâneo, mas, na medida em que os governantes governem, haverá sempre um consenso e a vida efectiva do Estado medir-se-á sempre pelo grau de consenso estabelecido entre aqueles dois termos.
Então, qual a diferença entre individualismo e Fascismo? Trata-se de concepções opostas e dos consequentes métodos e sistemas de conduta política. A primeira, orientada para o particular, tende a dissolver o Estado e a destruir o centro vital do organismo social; a outra, orientada para o universal e para a unidade, veria extinguir-se na individualidade a fonte da livre originalidade em que se desenvolve a vida do espírito se não fosse temperada com o apelo sistemático e constante ao homem vivo, ao cidadão artífice da fortuna, do bem-estar e da grandeza da pátria e do poderio do Estado, como fez energicamente o Fascismo através da educação unitariamente orientada pela noção do ideal patriótico, que só a entrega do indivíduo pode traduzir em realidade séria e viva, graças à constituição que revitaliza e valora a iniciativa e a responsabilidade do singular perante os interesses próprios e colectivos.
O problema do equilíbrio dos dois termos na dialéctica da vida social e na vida do espírito em geral é o próprio problema da unidade do princípio no qual os dois termos coexistem em constante reciprocidade de fé e acção. É o problema central da política do Fascismo. Os que vêem esse movimento - que sacudiu e potenciou todas as energias vivas da nação italiana e fez dela uma das maiores potências do mundo, uma das forças que mais eficazmente operam na história universal, amada ou odiada, é certo, mas presente desde agora no grande drama em que se confrontam os maiores interesses materiais e morais da Europa e, por isso, de todos os continentes - os que, repito, vêem esse movimento como um movimento antiliberal e contrário ao espírito que anima toda a história moderna, não conhecem o Fascismo nem a liberdade e traçam com a sua fantasia uma imagem falaciosa do mundo moderno. Nós, fascistas, não somos corujas contrárias à ideia de um sol que ilumine com luz cada vez mais viva o espírito humano desde que este derrubou certos preconceitos medievais e fez sentir ao homem toda a responsabilidade que lhe cabe como artífice do próprio destino e, por isso, do mundo em que o seu destino se cumpre. Na luta travada contra os velhos sistemas (e em que persistirá, certamente, seguro da vitória final) nunca o Fascismo pensou abolir o tesouro que em si mesmo é a maior conquista da civilização: a liberdade (isto é, aquele pouco de liberdade que é possível obter-se no processo histórico real da civilização). Se é certo que combateu a suja e desbragada democracia de radicais e individualistas de todo o género, não deixou de advertir que se considera a si mesmo a verdadeira democracia; a democracia do povo real e dos seus interesses e direitos reais, não dos artificiais e sofisticados, inventados pela representação fictícia de porta-vozes estranhos a esses interesses e pela política pessoal, personalizada, mesquinha, corruptora da política recta da nação. O Fascismo quer a liberdade, mas a única e autêntica; quer democracia, sim, mas a democracia verdadeira: a dos cidadãos que têm a pátria no peito e não ignoram que a sua vida está na salvação da pátria; cidadãos-soldados prontos a obedecer à voz que exprime a vontade da pátria, prontos a sacrificar-lhe toda a comodidade, pequena ou grande, da pessoa particular e até a própria vida.

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